Setembro Verde e Azul: Dança e poesia através de sinais na palma da mão
Projeto “Sinestesia: Dança e Poesia Além dos Sentidos” defende o desenvolvimento de comunicações táteis para que surdocegos tenham a garantia do direito livre

Em um mundo sem luz, cores e sons, o aluno surdocego Luiz Pantullo, de 64 anos, do projeto Sinestesia: Dança e Poesia Além dos Sentidos, dança e emociona-se com a música e com as metáforas das poesias declamadas. Ele tem surdez congênita e síndrome de Usher (doença hereditária caracterizada pela perda parcial ou total da audição e diminuição progressiva da visão), que o deixou com apenas 10% da visão. Hoje, comunica-se por meio da Libras Tátil – Língua Brasileira de Sinais através do toque na palma das mãos para surdocegos.
Pantullo é um dos 17 alunos do projeto Sinestesia, realizado em Campinas e que inicialmente ofereceu aulas de dança adaptada apenas para mulheres com deficiência visual, mas depois abriu para o público masculino com cegueira devido à procura por parte dele. As aulas são ministradas pela pedagoga e bailarina Keyla Ferrari Lopes, referência na dança inclusiva e na difusão da Libras como meio de comunicação e acessibilidade cultural e artística. Além de Keyla, outro guia-intérprete de sinais dá assistência e apoio durante as aulas do projeto.
“Neste Setembro Verde e Azul, precisamos desenvolver e divulgar as comunicações táteis, que é como essa população acessa o mundo”, diz Keyla, referindo-se ao mês da conscientização sobre a acessibilidade e o da pessoa surda. Segundo a pedagoga, a Libras Tátil é uma variação da Libras visual. “É feita por meio do toque, com as mãos da pessoa surdocega tocando as do guia-intérprete que está falando com ela.”
As mãos de Pantullo são hoje seus olhos e seus ouvidos. Através dos sinais táteis, consegue entender as letras das músicas indígenas ensinadas pelo educador social e músico Coré Valente, que é professor do projeto Sinestesia: Dança e Poesia Além dos Sentidos. “Nós fazemos os sinais de Libras tocando as mãos do Pantullo para que ele entenda o que estamos falando e consiga participar de todos os momentos da aula. Com isso, conseguimos explicar as letras das canções e, em uma delas, ele acabou verbalizando uma parte em Libras Tátil, que é um dos carros-chefes do nosso trabalho.”
O poder transformador do tato
Ao som de Estrela, de Gilberto Gil, Pantullo dança com a professora Keyla, mas só depois da apresentação é que interpreta a música em Libras Tátil. Só neste momento, algumas pessoas percebem que o bailarino é surdocego. “É um momento muito bonito quando a plateia se dá conta disso e reconhece toda a coragem e a destreza dele na apresentação”, conta, emocionada, a professora.
Foi no Centro de Apoio e Integração do Surdocego Múltiplo Deficiente (CAIS Campinas) que Keyla conheceu Pantullo, há cerca de três anos. “Eu gosto muito de dançar”, conta o aluno. “A professora Keyla desenvolveu um método de apertar as minhas mãos e sei para qual direção eu devo ir, mas, para tudo sair certo, é preciso treinar e decorar os movimentos.” Seu sonho é fazer uma participação em um programa televisivo para mostrar que qualquer pessoa pode dançar, mesmo que tenha um comprometimento multissensorial.
A pedagoga Keyla ressalta que nem todos os surdocegos usam a Libras Tátil. “A gente tem, por exemplo, uma outra aluna que prefere a fala ampliada”, conta. “Então, trabalhamos os movimentos com o tato no corpo e a gente fala para ela no ouvido um pouquinho mais alto.” Por isso, segundo Keyla, é preciso dar mais visibilidade para as necessidades dos surdocegos e buscar por políticas públicas, já que sequer se sabe oficialmente quantas pessoas têm essa perda sensorial dupla no país.”
Cores em tramitação
A comissões de Educação e de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados aprovaram, em julho e agosto, respectivamente, o Projeto de Lei 4785/23, do deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA), que inclui a oferta de linguagem tátil das cores como meio de ampliar habilidades funcionais de estudantes cegos. A linguagem tátil de cores permite que pessoas com deficiência visual, incluindo daltônicos, monoculares, com baixa visão e cegos, identifiquem cores através do tato. A técnica utiliza texturas e relevos para representar cores.
O texto, em análise na Câmara dos Deputados, inclui a previsão na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. A proposta ainda será analisada, em caráter conclusivo, nas comissões de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para virar lei, a proposta precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.