Oficina gratuita de dança adaptada para pessoas cegas está com vagas abertas

Pessoas com cegueira total ou parcial fazem as aulas do projeto “Sinestesia: Dança e Poesia Além dos Sentidos” e ainda há vagas abertas
Uma oficina gratuita de dança adaptada e poesia em Libras (Língua Brasileira de Sinais) para mulheres com deficiências visuais e múltiplas (surdocegueira) da Região Metropolitana de Campinas (RMC), com 18 anos ou mais, atraiu o interesse também de homens com deficiência visual. Hoje, 17 mulheres e oito homens com cegueira total ou parcial fazem as aulas do projeto “Sinestesia: Dança e Poesia Além dos Sentidos”, que começou em março deste ano e ainda tem vagas abertas. As aulas acontecem no Centro Cultural Louis Braille (CCLBC) e no Espaço CIS Guanabara – Centro Cultural da Unicamp, ambos em Campinas.
Realizado por meio do ProAC (Programa de Ação Cultural) da Secretaria de Estado da Cultura, Economia e Indústria Criativas de São Paulo, o projeto foi formatado para atender exclusivamente mulheres cegas e surdocegas, que foram as primeiras a se inscreverem. Mas, diante da procura por inscrição de homens com deficiência visual, a diretora artística do projeto Keyla Ferrari Lopes, bailarina pedagoga, intérprete de Libras e arte-educadora, ampliou o público-alvo.
Incluir a todos
“Essa ampliação aconteceu de forma muito natural, porque alguns usuários do CCLBC que aguardavam por atendimento ou estavam com uma janela entre um atendimento e outro acabavam entrando na aula”, explicou Keyla. “Por isso, para não os deixar de fora, a gente fez esse acolhimento dos homens cegos e surdocegos.” E, segundo ela, que também é a professora de dança do projeto, a entrada desses parceiros trouxe a possibilidade do ensinamento da dança de salão, como o forró. “E quando falamos de inclusão, não podemos fazer seleções.”
Embora o projeto originalmente visasse o empoderamento feminino das mulheres com deficiência visual, a chegada dos homens com cegueira total ou parcial acrescentou e trouxe mais facilidade para a realização dos movimentos corporais por meio percepção corporal um do outro. Isso porque o aprendizado começa com o toque. O aluno precisa tocar no corpo do professor ou de outro aluno, sentir cada detalhe, para que possa entender e repetir o movimento. Com o tempo, a/o dançarina(o) consegue dançar apenas com instruções. No caso de surdocega(o), é ainda mais importante a dança em dupla por conta da vibração do som e do tato. “Além de trabalhar com o equilíbrio e a postura, a dança traz afetividade e estimula a memória corporal.”
Inspiração ao projeto
A massoterapeuta Paula Neves, que nasceu com baixa visão porque sua mãe contraiu toxoplasmose na gestação e ficou cega totalmente por conta de um descolamento de retina em 2006, foi uma das pessoas inspiradoras, segundo a professora Keyla, para que o projeto “Sinestesia: Dança e Poesia Além dos Sentidos” fosse executado. Paula faz aula de dança em outro projeto da Keyla em Hortolândia. “A dança chegou pra mim num primeiro momento pela Secretaria de Cultura Hortolândia, com o projeto Dança com Ele.” Presidente da AHDEV (Associação Hortolandense de Deficientes Visuais), Paula convidou os associados a participar.
“Eu convidei a todos porque a dança desenvolve a orientação espacial e a coordenação motora, coisas que nós, que não vemos, precisamos para nos orientar no espaço, já que a gente não tem o campo visual”, contou Paula, que revelou que, no início, os alunos ficaram um pouco na dúvida em aderir. Agora, elas e outros associados da associação participam em Hortolândia do projeto “Dançar além da visão”, que fará uma apresentação na próxima sexta-feira (23), às 19h, no Centro de Cultura Escola de Artes Augusto Boal Rua Casemiro de Abreu, no Jardim Amanda 1.
“Depois, recebi o convite para participar do projeto em Campinas. Eu vi nesse momento uma oportunidade para me desenvolver mais, para conhecer mais pessoas, para ampliar mesmo essa rede de relacionamento e melhorar também o meu próprio desenvolvimento, já que eu também sou uma pessoa com deficiência visual”, disse Paula. Segundo ela, a chegada dos homens com deficiência visual nas aulas só vem para agregar. “Eles entendem o quanto é importante que as mulheres se desenvolvam tanto na orientação espacial quanto na expressão, saber se expressar, saber se posicionar também com relação a eles”, disse. “E eles também precisam se entender enquanto pessoas.”
Inspiração ao aprendizado em Libras
O aluno surdocego Luiz Pantullo já era aluno de Keyla em outro projeto, mas, ao saber que homens cegos e surdocegos haviam se inscrito nesse projeto, também resolveu participar. Ele tem surdez congênita e síndrome de Usher (doença hereditária caracterizada pela perda parcial ou total da audição e diminuição progressiva da visão), o que o deixou com apenas 10% da visão. Hoje, comunica-se por meio da Libra Tátil. “De qualquer forma, eu já tinha a intenção de trazê-lo para o projeto, para ser um pilar, para contribuir com a sua experiência”, disse a professora Keyla.
“Quando morava em São Paulo, Luiz não teve oportunidade de dançar, o que sempre gostou, porque faltava um guia-intérprete (profissional que trabalha com pessoas surdocegas). As escolas queriam contratar e cobrar dele, mas não tinha condições de pagar uma mensalidade e mais o salário para um guia-intérprete. Então, ele acabou se mudando de São Paulo para Campinas para poder ter mais oportunidades”, contou Keyla.
Foi no Centro de Apoio e Integração do Surdocego Múltiplo Deficiente (CAIS Campinas) que Keyla conheceu o Luiz, há quase três anos. “Eu gosto muito de dançar”, contou Luiz. “A professora Keyla desenvolveu um método de apertar as minhas mãos e sei para qual direção eu devo ir, mas, para tudo sair certo, é preciso treinar e decorar os movimentos.” Sua presença motivou as alunas com deficiência visual a aprender Libras, que pediram a Keyla que as ensinasse. “Estou ensinando, mas confesso que nunca tinha ensinado Libras para pessoas cegas.”
Mas, como ensinar se o Luiz não escuta o que suas colegas de aula falam? Essa indagação perseguiu os pensamentos da professora Keyla. Suas alunas, porém, queriam interagir mais com Luiz. “Aí eu pensei, bom, se o Luiz se comunica por Libras Tátil, eu vou ensinar Libras para elas do mesmo jeito que eu me comunico com ele. Vou ensinar Libras através do tato e, logicamente, dando instruções verbais.” Keyla diz que quem mais aprende é ela com eles, que a ajudam ainda a esquecer que é uma paciente oncológica. Ela celebra um ano em remissão de um câncer de mama.
Oficinas
O programa inclui oficinas de dança adaptada e de poesia através da música. Elas abordam técnicas de dança criativa e contemporânea adaptada, bem como sapateado adaptado, e sessões de estudo e de escrita de poesia em Libras e em Libras Tátil para as mulheres surdocegas, além de integrar a arte plástica na cenografia do processo. O encerramento das atividades será com a apresentação final das participantes, para celebrar o trabalho delas e deles.
A apresentação final será um evento gratuito e aberto ao público, proporcionando aos participantes a oportunidade de mostrar suas habilidades em dança e poesia. “Este evento visa promover a visibilidade e a inclusão, destacando a importância da acessibilidade e da participação ativa de pessoas com deficiência no contexto artístico-cultural”, explicou a professora Keyla.
Serviço
Oficinas do projeto “Sinestesia: Dança e Poesia Além dos Sentidos” |
Locais/Horário:
· Centro Cultural Louis Braille – Sempre às quintas-feiras, das 9h às 11h. O Instituto fica na Av. Dr. Antônio Carlos Sales Júnior, 600, no Jardim Proença, em Campinas. · Espaço CIS Guanabara – Centro Cultural da Unicamp – Sempre aos sábados, das 9h às 11h. O CIS fica R. Mário Siqueira, 829, no bairro Botafogo, em Campinas. |