Caminhos para desafogar a Justiça

Justiça

São 84 milhões de processos em tramitação. Em 2024 foram 39 milhões de novas judicializações

 

Artigo Pedro Quagliato

 

O Judiciário brasileiro enfrenta um gargalo que já não cabe mais nas estatísticas. Segundo dados do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, são quase 84 milhões de processos em tramitação, distribuídos por 91 tribunais (mais de 80% na Justiça Estadual), que passam pelas mãos de 18 mil juízes e 275 mil servidores. O índice de judicialização não para de crescer: em 2024, foram 39 milhões de novos casos, um aumento de 11% em relação ao ano anterior. Nesse cenário, não surpreende que processos possam levar dez anos ou mais para alcançar decisão definitiva.

 

O problema é estrutural. O Brasil tem o maior Judiciário do mundo em número de processos, e a máquina, mesmo quando modernizada, continua incapaz de atender a tanta demanda. O debate costuma se reduzir ao número de processos ou à falta de juízes. Mas a raiz vai além: trata-se de gestão ineficiente. Nossos tribunais carecem de indicadores claros de desempenho, metas realistas de produtividade e, principalmente, de autonomia administrativa para inovar. A Justiça brasileira segue marcada pelo formato burocrático de repartição pública: presa a rotinas engessadas, incapaz de planejar estrategicamente e resistente a modelos de eficiência tão comuns na iniciativa privada. Empresas, mesmo em cenários adversos, incorporam práticas modernas de gestão, utilizam dados de forma intensiva e estabelecem metas claras para alcançar resultados consistentes com menos recursos. Trata-se de uma questão de sobrevivência. Esse espírito de inovação, eficiência e disciplina administrativa, tão natural ao setor privado, é exatamente o que falta ao Judiciário.

 

Investimentos em tecnologia, como processo eletrônico e inteligência artificial, ou o aumento de magistrados e servidores, aliviam, mas não mudam a lógica que gera o acúmulo. O Judiciário continuará sendo um funil estreito diante do crescimento de demandas. É preciso admitir: nem todo conflito deve ser levado aos tribunais. A cultura de judicializar tudo é insustentável e mina a credibilidade da Justiça.

 

A experiência internacional mostra que o alívio real vem dos métodos alternativos de resolução de litígios (ADR). A mediação, ágil, menos custosa e preservadora de relações, reduziu de forma expressiva a judicialização em países como EUA e Canadá. Já a arbitragem, especialmente em disputas empresariais, oferece decisões rápidas, em até 18 meses, técnicas e com força de sentença judicial, consolidando-se em países como Alemanha, França e Japão. A União Europeia, por meio da Diretiva 2013/11/EU e da plataforma de Resolução de Litígios Online (ODR), e o Banco Mundial, em seus programas de governança, também têm estimulado o uso desses mecanismos para ampliar o acesso à justiça e aumentar a eficiência dos sistemas judiciais.

 

No Brasil, apesar de avanços como a Lei de Mediação (2015) e a Lei de Arbitragem (1996, atualizada em 2015), ainda engatinhamos na prática efetiva desses métodos. A mentalidade predominante é recorrer ao Judiciário como primeira opção, muitas vezes por hábito cultural ou pela falsa percepção de que só a Justiça estatal resolve. O resultado é trágico: pilhas de processos nas mesas dos juízes, custos bilionários para sustentar a máquina e uma população que não confia na eficiência do sistema.

 

O futuro do Judiciário brasileiro não será definido por mais prédios ou servidores, mas por uma mudança de cultura: ensinar a sociedade que litígio não é sinônimo de processo judicial. Se quisermos uma Justiça ágil e confiável, precisamos admitir que o melhor caminho não está apenas dentro dos tribunais. A verdadeira revolução virá quando o Brasil compreender que mediação e arbitragem não são atalhos, mas sim o caminho mais eficiente e justo para resolver conflitos.

 

Justiça que tarda, falha. Mas justiça que se reinventa fora das amarras burocráticas pode, finalmente, cumprir seu papel.

 

Pedro Quagliato Divulgacao
Pedro Quagliato/Divulgação

O advogado Pedro Quagliato é especialista em Direito da Saúde e do Consumidor, no Quagliato Advogados.

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