Artigo: O futuro do gás de cozinha no Brasil
gás de cozinha
Abertura de mercado, fracionamento e botijão com nota fiscal
Por Sérgio Balbino
Pouca gente sabe, mas o botijão de gás (GLP) que usamos em casa — o famoso P13, de 13 quilos — está no centro de um mercado gigante e muito concentrado. Hoje, quatro grandes distribuidoras dominam 92% do setor e todos os meses são vendidos 33 milhões de refis (botijões) de 13 kg. Esse modelo praticamente não mudou em 80 anos. O resultado é simples: preço alto, pouca inovação e um consumidor que não tem escolha.
O P13 é o botijão que vai para as casas, enquanto o P190 atende restaurantes, padarias e pequenas indústrias. A diferença é que o P190 já funciona de forma fracionada: o caminhão abastece só a quantidade que o cliente precisa, seja 10, 50 ou 100 quilos. Já no P13, a regra é comprar os 13 quilos de gás, mesmo que você não precise de tudo. E mais: estudos mostram que até 500 ou 600 gramas ficam sempre no fundo. Esse resto volta para a distribuidora, sem crédito nenhum para o consumidor. É um lucro invisível, que em escala movimenta bilhões.
A boa notícia é que isso começou a mudar. Em 2024, a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) abriu a Consulta Prévia nº 03/2024 para discutir novas regras para o setor. A partir dela, foi elaborada e aprovada a Análise de Impacto Regulatório (AIR), que hoje embasa a etapa final desse processo. Entre os pontos discutidos, está a liberação do fracionamento do P13 — ou seja, permitir que o consumidor escolha quanto quer colocar no seu botijão. Funciona como no posto de combustível: você define o valor, a bomba mede e você recebe exatamente o que pagou.
Isso muda muita coisa. Primeiro, garante o direito do consumidor. Em vez de comprar “um botijão”, você vai comprar “quilos de gás”, com nota fiscal dizendo o que foi colocado. Isso acaba com a ideia de que o botijão é das distribuidoras de gás. O botijão é seu, você pagou por ele e deve ter rastreabilidade digital completa – onde foi enchido, por quem e em que data. Essa tecnologia já existe, com etiquetas invioláveis que resistem a até 800 graus de calor, mantendo todas as informações gravadas.
Segundo, reduz custos. Hoje, milhões de botijões viajam centenas de quilômetros só para serem enchidos e depois voltam para os pontos de venda. Esse vai e vem encarece o preço e ainda pesa no meio ambiente. O fracionamento, aliado a pontos de abastecimento locais, corta caminho, simplifica a logística e barateia o quilo do gás.
E tem o lado social. Uma diarista que recebe R$ 200 por dia de trabalho, por exemplo, hoje precisa gastar até R$ 150 para comprar um botijão cheio. Isso pode significar abrir mão de comida ou de outras contas básicas. No novo modelo, ela poderá colocar R$ 50 de gás, usar o que precisa e guardar o restante para outras necessidades. Essa flexibilidade é questão de justiça e dignidade.
O mundo já seguiu nesse caminho. Estados Unidos, Europa, Ásia e África do Sul já permitem o fracionamento. O Brasil, que é um dos maiores mercados de GLP do planeta, não pode continuar preso ao passado. A Consulta Prévia nº 03/2024 está em fase de finalização e com a AIR já aprovada, tudo indica que em 2026, esse novo modelo começará a valer.
Mais do que uma mudança técnica, isso devolve ao consumidor o que sempre foi dele: o direito de escolher, pagar só pelo que usa e ter nota fiscal com total transparência. É um passo para abrir o mercado, incentivar a inovação e beneficiar milhões de famílias brasileiras.
Vídeo-resumo artigo Sérgio Balbino – https://youtu.be/sxlI-gN6BDM
Especialista em GLP e gases especiais e presidente da Gazoon.