Anelo celebra 25 anos de resistência pela música com ações na periferia

Iniciativa social nascida do sonho de um jovem que buscou apoio de comerciantes para alugar o salão onde funcionava um antigo bar, e usá-lo para dar aulas de música, o Anelo celebra neste mês de maio 25 anos de história – e resiliência  – graças ao apoio de quem acreditou no projeto. Após sobreviver a momentos de grave crise, a instituição se consolidou como referência no Jardim Florence,  e  fortalece sua atuação a fim de inspirar  outras  pessoas  a buscarem soluções para demandas sociais de suas comunidades. Atualmente, atende 1,2 mil alunos, crianças, jovens e adultos, por ano.

Ao longo dos anos, voluntários apoiaram com ajuda financeira, apoio administrativo, social e pedagógico. O Anelo também contou com o apoio da imprensa para ser reconhecido – em dois momentos, empresários sem ligação com o bairro se sensibilizaram com notícias sobre o risco de fechamento e atuaram para manter os atendimentos. Após 18 anos de atuação, o Anelo se estruturou, obteve aprovação de projetos em editais e  acessou recursos através de  leis de incentivo (como Lei Rouanet e Proac),  possibilitando o fortalecimento e ampliação dos trabalhos, por meio de patrocínios de empresas que acreditaram no projeto.

A organização firmou ainda colaboração com a Arcevia Jazz Feast, da Itália, Standard Bank Jazz Festival, na África do Sul,  e iniciou parceria com a unidade chinesa da Juilliard, uma das escolas de música mais conceituadas do mundo.

“A minha maior motivação ao iniciar,  lá atrás,  o trabalho com o Anelo, era deixar de ser invisível, sair deste lugar em que me sentia só mais um menino preto, esquecido na periferia, sem autoestima e sem perspectiva de um futuro. Nesta jornada, foram muitas pessoas que se conectaram e ainda estão conectadas com o Anelo, e não imaginavam o que ele seria hoje. Fala-se do Anelo hoje como referência, mas a ideia que eu tenho é mais modesta, porque somos uma referência dentro de uma realidade de diversas vulnerabilidades, em meio à ineficiência de políticas públicas”, afirma o fundador Luccas Soares.

 

Da união de amigos à 1ª banda Anelo

 

Em 1997, com 17 anos, Luccas e os amigos Caio Felipe, Wilson Lima e Gilberto Correa iniciavam sem saber um embrião do instituto, montando uma banda inspirados pelos músicos que ouviam na igreja. O instrumento de Luccas foi um teclado financiado no sistema de carnê. Se apresentavam com música gospel e mensagem contra as drogas. O nome escolhido foi Anelo, em referência ao título de uma música que gostavam, sem saber do seu significado como inspiração, que hoje norteia as ações da entidade. “Eu já dava aulas de música em casa, numa viela, mas ela ficou pequena para isso. Vi que o bar onde eu vendia churros fechou. Pensei em alugar a sala e saí em busca de apoio com os comerciantes do bairro para custear o aluguel”, relembra Luccas.

 

A primeira formação da banda teve fim em 1999,  mas o trabalho continuou se transformando em uma ação sociocultural. Neste contexto,  o projeto contou com o reforço do músico Guilherme Ribeiro, à época estudante de Música na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), para formar o que é considerada a “Primeira  Banda Instrumental do Anelo” – hoje, a Orquestra Anelo. “Conheci o Guilherme  em uma apresentação no distrito de Barão Geraldo. Ele veio conhecer o instituto e se engajou. Formamos uma banda instrumental, que foi fundamental para mudar a percepção didática do Anelo”, comenta Luccas.

“Eu tinha um teclado cuja fonte de energia tinha um problema de  contato, o Luccas (que foi assistir ao show) me ajudou a resolver. Depois da apresentação, fui agradecer a presença, estendemos a conversa e ele contou que tinha uma escola de música, me convidou a conhecer. Lá, encontrei uma turma de jovens músicos, e me envolvi. Propus atividades e estabeleci uma relação que já dura 25 anos”, conta Guilherme. Ele ressalta que a vontade dos jovens de aprender, um “certo brilho nos olhos” deles,  o motivou a contribuir com aulas práticas, nas quais se formavam literalmente uma banda.

O músico se envolveu também com as áreas operacional e administrativa, além de convidar outros amigos de profissão para conhecer a instituição. Acabou se mudando para São Paulo, mas nunca deixou o contato com o Anelo. Quando deu aulas em um festival na Itália, em 2012, sugeriu ao Luccas que tentasse participar do evento, e o Anelo acabou firmando uma parceria com o festival, mandando alunos e professores para a Europa.  Até o ano de 2025, mais de 40 jovens foram para a Itália, representando o Anelo no Arcevia Jazz Feast, na Itália.

Já no início de 2018, o músico estava escrevendo arranjos para grupos grandes, e sugeriu algo nesse modelo para o instituto. “Então a gente criou a Orquestra Anelo. Apesar do nome, é uma big band, com formação instrumental fixa. Estou à frente desse grupo, escrevendo arranjos, regendo, fazendo  a direção artística”, conta. “Talvez seja difícil para as pessoas terem a noção que o Anelo começou com muito pouco, com colaboração de comerciantes, numa salinha. Hoje, uma das conquistas é que o Anelo se colocou na agenda da cidade, é um bem cultural, um patrimônio”, apontou Guilherme Ribeiro.

 

Voluntários

 

A engenheira química Gabriela Ibiapina Lira Aguiar foi uma das voluntárias que conheceu o instituto por meio do músico Guilherme Ribeiro, então seu professor de piano, em 2001. Cursando sua segunda graduação, desta vez Jornalismo na PUC (Pontifícia Universidade Católica de Campinas), Gabriela recebeu de Guilherme a indicação de visitar o Anelo para realizar um trabalho da faculdade. Depois de conhecer o Anelo, se envolveu com a organização e contribuiu na estrutura administrativa e atração de profissionais e apoiadores. Também foi doadora e organizadora de eventos, com amigos, para levantar recursos.

“Logo no começo, foi um trabalho alinhar as expectativas à realidade  a fim de não gastar sem ganhar o suficiente para isso para arcar com os custos”, diz, lembrando das dívidas e dificuldades vividas por falta de experiência com o gerenciamento de recursos. “Em 2010, fui presidente do Anelo, e uma missão foi fazer a parte burocrática para obter recursos do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. E fomos aprovados, numa época em que o dinheiro vinha só de doações de alunos e comerciantes”, afirmou Gabriela.

Ainda na sua presidência, foi iniciado um trabalho de tentar patrocínios de empresas privadas e captação via leis de incentivo. Gabi, como é conhecida, também ajudou a apresentar o Anelo a um dos maiores contribuintes do projeto, conhecido como Dr. John. “Acredito na idoneidade do Anelo, no amor do Luccas, é contagiante. O Anelo hoje sonha muito mais alto. As pessoas lá sonham”, finaliza Gabriela.

Dr. John, é o nome pelo qual é conhecido o arquiteto e industrial Johnson Kahung Sieh, um contribuinte importante da instituição. Ele revela que ficou sabendo do trabalho do Anelo em uma festividade com diretores de empresas. “O trabalho simples e humilde, mas com intenções nobres, despertou a minha curiosidade. Meu primeiro encontro com o Luccas foi quando o convidei para uma festa de Natal do Grupo Primavera (entidade com a qual já contribuía), há muitos anos. Ele veio com um grupo de jovens alunos para atuar. Notei que sempre teve como características humildade e entusiasmo pelos jovens”, afirmou Dr. John.

Percebendo, em suas palavras, que o projeto atendia não só suas necessidades, mas também “as dos outros”, o apoiador ajudou inclusive a planejar um novo espaço físico adequado para as aulas. “O crescimento de Anelo tem sido espantoso, suas imagens e sons são inspiradores, e de grande alcance, da Europa, passando pela Africa, à China. Tal como a era da tecnologia continua a dominar o mundo, a minha esperança para o Anelo permanecerá com o amor e a alegria carinhosa da sua música que transforma”, comemora Dr. John.

Outra apoiadora histórica, a assistente social Maria Madalena Meloni de Oliveira conta que conheceu o Anelo em 2004, por meio de sua atuação numa ONG chamada Cedap (Centro de Educação e Assessoria Popular), e começou a colaborar com orientações e fortalecimento institucional. Foi responsável pela elaboração dos Planos de Trabalho, relatórios e projetos do Instituto.

“O Cedap tinha um projeto de formação de lideranças e de consultoria para as organizações comunitárias. Foi assim que o pessoal do Anelo nos procurou”, esclarece Madalena. “Agora o instituto cresceu, profissionalizou sua atuação e conta com uma equipe multidisciplinar para realizá-la. Hoje sou quase só uma amiga, uma admiradora emocionada e orgulhosa de ver tantas vidas impactadas, talentos revelados, a música expandir-se, famílias convivendo e a comunidade valorizada.”

Crises, ajudas inesperadas e a gratidão de um pai

Segundo Luccas, o risco de fechamento sempre rondou o Anelo durante os 15 primeiros anos. Em um desses momentos, em 2010, uma matéria de jornal mostrou os problemas para manter o aluguel da sede. A situação chamou a atenção do empresário Moacir Cunha Penteado, da construtora Lix da Cunha, que se ofereceu para pagar dois anos de aluguel para o Anelo e ainda comprou instrumentos. “Era algo que eu não sabia como agradecer. Quando fomos formalizar esta contribuição, eu ofereci a ele a única coisa que eu tinha naquele momento, a Medalha de Honra Carlos Gomes”, explicou Luccas.

A medalha é uma honraria concedida pela Prefeitura de Campinas à pessoas que se destacam pelos relevantes serviços prestados nos campos da cultura e da arte, no município, e foi concedida ao Anelo em 2003. “De início, ele não queria aceitar a medalha, mas depois aceitou enfatizando que me devolveria em seu leito de morte, o que graças a Deus, ainda não aconteceu”, aponta Luccas.

Em uma outra oportunidade, a imprensa foi fundamental para dar a visibilidade que a organização precisava, em um momento crítico. Em 2014, uma multa aplicada pela Prefeitura ao dono da sala onde ocorriam as aulas, devido à mudança de finalidade do imóvel – não mais usado como comércio -, e com exigência de mudanças na estrutura, abriu nova crise. Para cumprir as exigências, o dono teria de dobrar o valor do aluguel, ou fecharia. Com nova exposição mídia, desta vez a empresa Colt Security, de Paulínia, procurou o Anelo e ajudou com o pagamento de mais dois anos de aluguel.

Luccas percebeu, porém, que mesmo estando sempre na imprensa, na maioria das vezes o contexto era de sobrevivência em meio a uma região considerada violenta, focando no resgate de jovens da possível criminalidade. Em conversa com o sociólogo Fernando Cordovil, que à época fazia um mestrado na Unicamp sobre o impacto da mídia na jornada do Anelo, Luccas entendeu que esse enfoque de vulnerabilidade era aceito pelo Anelo, normalmente divulgando pedidos de ajuda. “Quando fizemos 15 anos, procuramos a imprensa e fizemos um trabalho de focar em coisas que estavam funcionando. Foi uma mudança importante, mudou a identidade institucional, ajudou a mostrar melhor o trabalho,  não apenas nas vulnerabilidades, mas também no impacto na comunidade. Esta mudança de posicionamento de imagem foi extremamente positiva para o Anelo, fortaleceu a autoestima dos moradores locais e os laços da organização com a comunidade”, explica Luccas.

Em rede nacional

Por iniciativa do pai de uma aluna, a história do Anelo viveu um capítulo que deu visibilidade nacional à organização,  ajudando na posterior chegada de novos apoios. Com a visibilidade alcançada pelo Anelo, empresas de grande porte de Campinas e Região conheceram o projeto e passaram a apoiar.  Essa história começou em 2016, quando Luccas foi até a  casa de uma aluna, que corria o risco de perder sua vaga, pois somaria sua terceira falta, no intuito de fazê-la retomar as aulas.

“Era a Alissa. Ela voltou às aulas, não saiu mais e seu pai passou dois anos tentando agradecer. Eu não sabia exatamente o que estava acontecendo, mas a Alissa estava muito depressiva,  e retomar as aulas foi muito importante e contribuiu para a recuperação dela naquele momento. Sem sabermos, o pai da Alissa escreveu uma carta falando do nosso trabalho para o programa Caldeirão do Huck (do apresentador Luciano Huck, da TV Globo). E o Huck apareceu aqui no Anelo, em 2018″, descreve Luccas.

Como resultado desta visita, o Anelo fez uma apresentação no programa com a banda Titãs e DJ Alok, e Luciano Huck. Na ocasião, o Anelo teve a sua história contada por 54 minutos ininterruptos,  no dia 29 de dezembro de 2018, feito que projetou nacionalmente a organização.

O pai de Alissa é o professor Manoel Messias Silva Gondim. Ele se recorda que conheceu o Anelo em seu trabalho na Escola Dr. Newton Oppermann (Jardim Florence), onde o Luccas tocava eventualmente em eventos. Independente das ações na escola, o  instituto era conhecido no bairro pela oferta de cultura musical, o que atraiu suas sobrinhas e a filha. “Ela passava por um problema de depressão muito sério e  a única coisa que fazia com se afastasse disso era a música. Mesmo assim,  estava querendo desistir e o Luccas veio atrás. Foi um divisor de águas na questão desse problema. Tenho uma gratidão pessoal, do que o Anelo fez para minha filha, pelas minhas sobrinhas e pelo que faz para os jovens da região”, apontou Manoel.

Sobre a ideia de apresentar o projeto a um programa nacional de TV, ele afirma estar muito feliz por ter conseguido ajudar. “Fico feliz de ter colaborado de alguma forma porque fiz a inscrição, falando do instituto e pedindo para que viessem visitar e entender o que ele representa para a região. Graças a Deus deu certo, vieram, e foi muito significante aquele dia, foi inesquecível. Acredito que de lá para cá o Anelo teve uma visibilidade no Brasil. Eu acho que cedo ou tarde o Anelo seria visto e reconhecido mundialmente”, considerou.

Reconhecimento, futuro e celebração

Além da Medalha Carlos Gomes, ainda em 2003 o Anelo foi reconhecido como entidade de utilidade pública, amparado por lei municipal. Em 2017, recebeu o prêmio IBEF, concedido pelo Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF), na categoria “Responsabilidade Social”. Em 2022 recebeu o Grande Colar do Mérito Judiciário da Justiça do Trabalho da 15ª Região e, em 2023, foi até a cidade de Roma, na Itália,  representado por Luccas Soares e Levi Macedo, para receber o Prêmio  do Festival Tulipani di Seta Nera, na categoria Cinematografia Social, pelo clipe da música Nosso Lugar, adotada como um hino da organização.

Carinhosamente chamado de Nosso Lugar, por alunos e colaboradores, o Anelo funciona em uma sede própria desde 2020, em uma estrutura improvisada, adaptada para as atividades de ensino de música.  O espaço era uma antiga base da Guarda Municipal que foi reformada pela organização. Atualmente, o Anelo busca apoio e dedica-se a encontrar formas para aprimorar e ampliar a estrutura disponível para a realização de suas atividades, tanto pedagógicas quanto artísticas, com espaços mais adequados, acolhedores e sustentáveis.

A ideia para o futuro é também investir ainda mais  na qualidade de formação, ajudando a fazer dos alunos agentes multiplicadores. “Que eles inspirem mais pessoas a atuar pelas mudanças que desejam ver em suas comunidades”, comenta Luccas.

Aos 25 anos, o Anelo vai celebrar a marca o ano todo, mas sendo maio o mês de aniversário, a organização realiza uma série de apresentações ao longo do mês, fechando esta etapa de celebrações em 31 de maio, a partir das 9h, com apresentações das bandas Pretas&Pretos, Combo Anelo, Orquestra Anelo, uma Jam Session, e corais infantil, juvenil e adulto, na sede do Anelo – Rua Vicente de Marchi, 718, Jardim Florence.

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